Tentando entender o geist da questão ambiental.

A QUESTÃO

Sempre culpei a minha geração de ser vazia de propósito, de não ter pelo que lutar. Nascemos e crescemos na liberdade e, embriagados dela, nos tornamos rasos. A mídia reduz ou idealiza a minha geração com uma letra qualque: geração Y. Me recuso a ser reconhecido pela História como indivíduo que fez parte de uma geração cuja maior contribuição for saber lidar com redes sociais.

Um dia percebi que minha geração talvez tivesse uma missão na História; não necessariamente teríamos de ser uma geração de uma letra só. Teríamos a condição de ser mais: a questão ambiental seria a nossa bandeira. Os que compartilham comigo esta era – e, relaxem, não me esquivo da culpa; também tenho um pouco disso – preferem chafurdar no hedonismo egoísta pós-moderno e aguardar por mais um fim de semana para colocar em prática os predicados da geração Y, Z. A liberdade, em vez de levar à virtude, criou uma geração apática e indiferente às missões que lhe foram colocadas. Contudo, tento fugir do estereótipo. É preciso reflexão dos problemas que atormentam a nossa existência e também a ação concreta para que eles possam ser, se não resolvidos, ao menos mitigados. Por ora, me lanço à reflexão.

Me foi dada a oportunidade de estudar um pouco mais de economia. Poderia estudar os mistérios câmbio, ou os meandros das políticas de Estado ou ainda expor as insidiosas relações dos mercados financeiros. Mas há muita gente falando sobre isso. Gente mais competente que eu. E, confesso, não dá pra continuar nessas discussões do século passado. Longe de mim dizer que elas não são importantes, mas queria discutir algo mais, digamos, urgente. Decidi adentrar, com humildade, na questão ambiental.

Por que?

Há algum tempo vislumbrei uma interpretação da questão ambiental (que, a princípio, pensei ter algo de marxista): seria a questão ambiental a crise final do capitalismo? Não se trata de uma crise de caráter social ou institucional (a qual o capitalismo já provou, em mais de uma ocasião, ser capaz de se adaptar). Para além disso, configura um estrangulamento de ordem material que afeta – ou vai afetar – as bases mais profundas das relações de consumo e produção. Não se trata de uma crise de alocação de recursos ou de inadequação institucional, mas uma crise de disponibilidade de tais recursos. Sem recursos materiais não é possível reproduzir nossa existência material; a existência econômica com a qual estamos acostumados.

Não sou eco-chato. Contudo, estou preocupado com a nossa sobrevivência a longo prazo. Quero que a humanidade se perpetue como espécie e continue realizando as coisas fascinantes que já realizou.

A primeira missão foi TENTAR entender o geist da questão ambiental – tarefa difícil. Nunca fui um grande entendedor até um ou dois anos atrás (não o sou ainda), mas aos poucos, ela foi me chamando a atenção e, quando dei por mim, me vi estudando textos herméticos de autores obscuros como Nicholas Georgescu-Roegen . Entender essa temática passa por admitir, antes de tudo, que a sociedade humana é apenas (mais) um sub-sistema que, por sua vez, faz parte de um todo muito mais complexo. O antropocentrismo cegou nossos sentidos de tal modo que não são muitos os que percebem isto. Temos a presunção de acreditar que nosso sistema social  está acima das regras naturais dessa bolota de água e rocha que flutua no espaço. Outro grupo ainda mais pretensioso – o dos economistas – chegam ao absurdo de afirmar que o sistema econômico é o todo.

Um exemplo: seria preciso muita força de vontade e presunção por parte das abelhas mamangava, se elas acreditassem que seu sistema social fosse mais importante e absolutamente desvinculado do das formigas ou das flores de maracujá – mais presunçoso seria se algumas abelhas intelectuais engravatadas e sentadas em títulos acadêmicos dissessem que o modo de produção e consumo de mel e geleia real é ainda mais especial e absolutamente descolado do resto da sociedade das abelhas, da sociedade das formigas e da sociedade das flores de maracujá.

Uma abelha mamangava

Uma abelha mamangava em uma flor de maracujá.

SUSTENTABILIDADE, TEMPO E ESPAÇO.

De qualquer modo, somos melhores que as abelhas em uma coisa: temos capacidade intelectual e tecnológica para alterar o ambiente à nossa volta de maneira muito eficiente – para o bem e para o mal. É importante ter em perspectiva as diferenças conceituais entre sustentabilidade e desenvolvimento sustentável. O termo “sustentabilidade” refere-se a propriedade de determinada estrutura ou processo de se manter em funcionamento sem afetar adversamente ou predatoriamente seus elementos constitutivos – sejam ambientais, sociais, econômicos, culturais, materiais, energéticos, etc.  Ou, ainda, a habilidade de qualquer sistema em resistir e se adaptar a mudanças (causadas por elementos exógenos ou endógenos) de forma indefinida – aproximando-se do conceito de resiliência. Já “desenvolvimento sustentável” diz respeito à abordagem de desenvolvimento que leva em consideração a sustentabilidade dos vários elementos constituintes das sociedades humanas como parâmetro fundamental. (Esse segundo termo, muitos dizem, é um oximoro; uma contradição. Uma impossibilidade, até. Eu concordo com essa posição e, por isso que prefiro usar o termo mais geral de “questão ambiental” ou “sustentabilidade” – isso é tema para outro post).

Portanto, a questão ambiental e a sustentabilidade estão relacionadas a um elemento temporal, além da questão mais concreta da preservação do espaço: é preciso garantir a preservação do espaço e de outros elementos da nossa biosfera, sociosfera, etc., ao longo do tempo. E cientistas sociais – exceto os geógrafos, talvez – não sabem lidar com tempo e espaço.

Se há algo que aprendi nesses anos estudando economia é que o ser humano falha miseravelmente quando se insere a variável tempo em qualquer tipo de análise. Ou seja, quando é colocado a agir pensando no longo prazo. E a nossa geração, em específico, é muito boa nisso. Somos egoístas, e pensar no bem estar de algo que não seja o nosso próprio é considerado uma tolice; idealismo. Quanto mais pensar no bem estar de alguém ou a integridade de algo que está distante no tempo.

A SANTÍSSIMA TRINDADE

Como começar a lidar com a questão ambiental e a sustentabilidade? Afinal, estamos falando de questões urgentes, uma vez que a depleção de uma série de recursos naturais, queda na biodiversidade e aumento nas emissões de gases do efeito estufa ocorrem a taxas alarmantes. Ainda que não haja consenso quanto a conceitos, mecanismos de ação, protagonistas, etc., instituições multilaterais como a ONU ajudaram a disseminar a ideia de que a sustentabilidade deve contemplar um “tripézinho” conceitualmente já batido e banalizado, mas muito complexo: social, econômico e ambiental. Tal tripé suscita questões muito importantes as quais vou levantar apenas algumas:

1. SOCIAL – Garantir o desenvolvimento das gerações futuras requer, antes de tudo, que a GERAÇÃO ATUAL tenha condições dignas de sobrevivência – afinal, como fazer uma geração nascer e crescer se seus pais e avós morrem de fome ou não tem educação para passar adiante? A questão que se coloca é como desenvolver, incluindo socialmente e reduzindo desigualdades, sem estrangulamento do espaço (meio ambiente) e, portanto, sem consequências nefastas lá na frente. Como ampliar o acesso de populações, ou países, ou continentes inteiros nas relações de consumo de alimentos e de serviços básicos que inevitavelmente irão afetar as estruturas de recursos naturais? Eu diria, ainda, que envolve questões institucionais e culturais: como as velhas instituições devem se portar? Como formatar tais instituições para a proteção ambiental e promoção de bem estar social? Como levantar as bases de uma nova racionalidade imbuída de preceitos mais voltados à questão ambiental? Qual o papel de educadores, da mídia, de grupos sociais?

2. ECONÔMICO – Sob quais bases econômicas – produção, distribuição, consumo – devemos empreender os desafios dos pilares social e ambiental? Que tipo de inclusão sócio-econômica devemos perseguir? A baseada no consumo? Que tipo de consumo? Que tipo de relações de produção serão pertinentes? Como condicionar e atender os novos padrões de oferta e demanda? É preciso crescer para desenvolver? É preciso decrescer?

3.AMBIENTAL – como empreender a inclusão econômica e social sem estrangular a base FINITA de recursos naturais e energéticos? Como preservar o espaço e a paisagem natural? Quais são as alternativas ao uso de recursos não-renováveis? Há espaço para que elas se estabeleçam? Como produzir mais utilizando menos matéria e energia? Como lidar com os resíduos do metabolismo social (lixo urbano, resíduos industriais, etc)? Como combater a queda da biodiversidade?

E isso não é tudo.

CONCLUINDO…

Fazendo coro ao que o mestre José Eli da Veigae outros tantos – coloca, a questão é macro. Todas perguntas acima possuem caráter macro-estrutural. O que isso quer dizer? Que mudanças pontuais e dispersas no tempo e no espaço são incapazes de dar cabo ao problema. Uma empresa que decide emitir talões de cheque de papel reciclado ou o indivíduo que faz xixi no banho não vão resolver o problema. Por isso a banalização do sustentável. A solução passa por outro aspecto que a nossa geração tem pavor: ruptura. 

Somos preguiçosos, medrosos e inibidos para certos assuntos. Romper com os padrões e instituições quase que sagradas da sociedade de consumo é algo absolutamente complicado. Algumas das missões são hercúleas e dependem de mudanças que demoram muito. Difundir inovações tecnológicas (democratizar o acesso de tecnologias ambientalmente eficientes, principalmente em sociedades pobres); ampliar a cooperação entre nações (e, portanto, alinhar discursos soberanos); readequar instituições de mercado e do Estado; lidar com as diferenças dos vários ethos, de modo a convergir rumo a um novo padrão ideológico-cultural de valorização do meio-ambiente natural e principalmente; alterar radicalmente as relações de consumo e produção são exemplos dessas missões.
Percebam que itens absolutamente espinhosos e complexos permeiam a questão ambiental, o que requer abordagens totalmente novas: transversais e transdisciplinares.

São essas as rupturas estruturais que a nossa geração e as próximas terão de lidar. Estamos prontos?